Os remanescentes das comunidades quilombolas têm direito à propriedade das terras por eles tradicionalmente ocupadas, cabendo ao Poder Público a demarcação dessas áreas e a emissão dos respectivos títulos. Com o objetivo de assegurar o cumprimento desse dever constitucional, o Ministério Público Federal (MPF) recorreu contra decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), em Recife, para garantir a demarcação e a titulação do território quilombola Forte, em Sergipe. Foram propostos dois recursos, o extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o especial, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O processo é fruto de ação civil pública proposta pelo MPF em Sergipe contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União, após a constatação da demora no andamento do procedimento administrativo para regularização da área. O referido procedimento foi instaurado pelo Incra há 16 anos e está sem tramitação desde agosto de 2017, quando foi publicada, no Diário Oficial da União (DOU), a portaria que reconheceu os limites do território. Desde então, a comunidade aguarda a etapa seguinte, que é a edição do decreto de desapropriação das terras particulares existentes na localidade. Na ação, o MPF destacou que a demora na conclusão desrespeita direitos fundamentais dos quilombolas.
A Justiça Federal de Sergipe acolheu parcialmente os pedidos do MPF e determinou que o Incra e a União publicassem decreto de interesse social para a desapropriação dos imóveis particulares existentes no território. Além disso, que a autarquia finalizasse o processo administrativo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação da terra quilombola. Foi determinado ainda que a União proporcionasse os recursos necessários para a realização da regularização da área.
A União recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região alegando, dentre outros pontos, que a Justiça não poderia impor uma obrigação que exija gastos financeiros sem que existam recursos previstos para tal finalidade. Além disso, que o Judiciário não pode intervir em questões de mérito administrativo, a fim de não violar o princípio da separação dos Poderes. Já o Incra, por sua vez, ressaltou que não há como fixar prazo para a conclusão do procedimento administrativo para regularização do território e que não houve omissão ou inércia da autarquia. O MPF recorreu apenas para garantir o pagamento de indenização aos quilombolas pelos danos ocasionados ao longo dos anos com a demora na conclusão do procedimento.
Decisão questionada – A Segunda Turma do TRF5 julgou os recursos em acórdão no qual acatou os pedidos do Incra e da União, destacando que não compete ao Judiciário decidir sobre quais investimentos e ações devem ser realizados e que o caso constitui pretensão de influência em política pública, o que não é permitido pela legislação. O MPF discorda desse entendimento ressaltando que o acórdão, ao deixar de responsabilizar a União e o Incra pela conduta ilícita relacionada à demora aos procedimentos de regularização fundiária do quilombo em questão, contraria várias normas constitucionais.
“A decisão deixa sem conteúdo a garantia de duração razoável do processo administrativo, o princípio da eficiência, o acesso à Justiça e a inafastabilidade do controle jurisdicional para apreciar ameaça ou lesão a direito cometida pela Administração, tudo a justificar a reforma do acórdão regional”, argumenta o procurador regional da República Adílson Paulo Prudente do Amaral Filho, responsável pelos recursos do MPF encaminhados ao STF e ao STJ. O procurador ressaltou, ainda, que não constitui ofensa à independência dos Poderes a determinação, pelo Judiciário, do cumprimento de obrigações previstas constitucionalmente, quando constatada a injustificada omissão do Poder Público.
Autos nº 0800003-79.2022.4.05.8501
Com informações do MPF – Arte: Comunicação/MPF