Em um país marcado por desigualdades urbanas e históricas de exclusão, as Assessorias Técnicas Populares (ATPs) emergem como ferramentas essenciais na luta pelo direito à cidade. Essas iniciativas, muitas vezes lideradas por arquitetos, engenheiros, advogados e assistentes sociais em parceria com movimentos sociais, visam assessorar comunidades de baixa renda na regularização fundiária, no planejamento urbano e na construção de moradias dignas.
A ONU reconhece o direito à moradia adequada como um direito humano fundamental, e a Constituição Federal de 1988 inclui a função social da propriedade. No entanto, milhões de brasileiros vivem em condições precárias, sem acesso a saneamento básico, transporte ou segurança jurídica sobre suas moradias.
Nesse contexto, as ATPs atuam como mediadoras entre o Estado e a população, pressionando por políticas públicas inclusivas e auxiliando na elaboração de projetos de habitação de interesse social, urbanização de favelas e regularização fundiária.
Foi com este intuito que a Assembleia Legislativa de Sergipe, por meio do mandato da deputada Linda Brasil (Psol), em parceria com o Fórum de Assessoria Técnica Popular do Nordeste (ATPN), realizou nesta terça-feira (8) a Audiência Pública “Assessorias Técnicas Populares como garantia do direito humano às cidades”.
“Infelizmente, as mudanças climáticas, e seus impactos, afetam principalmente as comunidades tradicionais. Então, falar sobre assistência técnica popular como garantia de direitos humanos é importantíssimo para que a gente possa ver políticas que possam dar uma maior qualidade de vida às pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social. Então, espero que a partir do que foi debatido, as demandas que surgem do fórum, das pessoas, dos movimentos que estão se organizando, a gente possa cobrar do governo do Estado ações efetivas para dar uma melhor condição de vida para as populações”, justificou, a deputada Linda.
Falas
O debate reuniu representantes da sociedade civil, do Poder Público, pesquisadores, movimentos sociais e parceiras.
A arquiteta e urbanista Isabela Pinheiro, que vem acompanhando a execução do Programa Cisternas nos estados da Bahia e Sergipe, pela Associação Programa “1 milhão de Cisternas”, salientou que esta Audiência realizada pela Alese, culmina com a “3ª edição do Fórum de Assessoria Técnica Popular do Nordeste”, entidade a qual representa.
“Nós costumamos nos reunir bianualmente. Primeiro foi em Recife, em Fortaleza, agora em Sergipe, para juntar um agrupamento político muito importante, que faz um trabalho técnico nos territórios populares, nas periferias, que são as assessorias técnicas populares. Então, a gente se junta para se fortalecer regionalmente, fazer um intercâmbio de experiências, de práticas, de metodologias, para atuar nesse sentido da luta por direitos humanos, da luta por território. Enfim, o objetivo desse hoje a gente está em uma culminância de um evento para pautar a nossa agenda tanto para o Estado para os movimentos para os partidos políticos, para que a gente possa se fortalecer, dadas as disparidades regionais que a gente tem também nesse âmbito de nossa atuação” explicou.
Isabela lembra que o Sul e o Sudeste são lugares que têm políticas habitacionais e ambientais muito mais avançadas. E entende que o Nordeste fica carente, tanto desse financiamento estatal quanto desse financiamento privado.
O Procurador da República em Sergipe, Ígor Miranda, também foi um dos convidados do evento.
“A Casa do Povo, que é a Assembleia Legislativa do nosso Estado, com a presença de instituições, entre elas o Ministério Público Federal, que na nossa Constituição de 88 recebeu esse papel democrático de dar voz a essas populações tradicionais. Nessa nova virada, nesse novo momento da nossa sociedade cada vez mais, a gente também busca uma democracia ativa no sentido de empoderar a população, empoderar as populações tradicionais de modo que eles possam, do seu modo em respeito ao seu modo de ser e ao seu conhecimento, alcançarem as políticas públicas, alcançarem o poder judiciário. E isso também foi refletido e discutido nesse encontro. E esse é um papel relevante, e aí que surge a figura do assessor técnico popular, que articula, que traduz à população aquilo que está no nosso ordenamento jurídico como direito. É claro que essa também é uma das funções do Ministério Público Federal, mas numa sociedade cada vez mais plural e multicultural, é relevante que a própria população se articule e busque e lute pelos seus direitos”, ressaltou o procurador.
O debate objetiva alcançar reflexões e estratégias que considerem as diferentes dimensões da vida das populações vulnerabilizadas, habitantes das cidades e do campo. Serão evidenciados, no contexto das mudanças e crises climáticas, os desafios envolvendo a atuação das assessorias técnicas populares junto aos movimentos sociais, com ênfase para o enfrentamento às violações dos direitos humanos.
Maria Santos de Jesus, do Movimento de Pequenos(as) Agricultores(as) – MPA, acha que é fundamental a importância de se debater essas questões do clima, entendendo que esse agravamento do mesmo tem desenvolvido várias questões dentro do campo e tem afetado bastante na produção dos alimentos, no desenvolvimento das plantas, na relação entre o nosso território.
“A gente pode dizer que o pequeno produtor já tem sentido esses impactos das mudanças climáticas e tem tido muitas alterações com relação aos períodos de inverno e isso vem também ocasionando a perca das nossas variedades de sementes de milho, como o da variedade “crioula”. A criação de animais também está sendo afetada, porque tem se intensificado uma outra genética para a nossa região, que aí são animais que precisam de mais atenção e todo o modo de produção desses camponeses tem sido alterado para dar conta de um rebanho leiteiro e não mais do povo. Então, hoje nós não temos mais um sistema de produção que é voltado para as pessoas. A gente tem alterado isso para uma produção de commodities e toda vez que a gente produz commodities, a gente não está considerando a produção e a necessidade do nosso povo, seja do campo ou das cidades, porque a gente tem que olhar que os camponeses têm essa relação intrínseca com os trabalhadores da cidade. Então, se a gente não produz alimento, se o alimento não chega na mesa dos trabalhadores da cidade, então a gente vai ter um agravamento, por exemplo, que leva em consequência ao aumento do preço nos supermercados, porque está nas mãos do agronegócio, nas mãos das grandes empresas e não mais nas mãos dos pequenos agricultores”, alertou, Maria.
Além dos citados acima, também se fizeram presente à Audiência, o deputado Georgeo Passos (Cidadania); o assistente social, presidente da associação do quilombo Porto D’areia, coordenador do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe (FPCT-SE) e da Pesquisa da ciência-cidadã sobre sociobiodiversidade, José Wellington Fontes Nascimento e da Educadora Popular e Conselheira do Meio Ambiente, Militante do Movimento dos Trabalhadores Urbanos (MOTU) e Secretaria da Associação de Pequenos e Pequenas Produtores Rurais do Acampamento Cabrita, Sielza Correia Santos.
Por Alessandro Santos Monteiro – Fotos: Jadilson Simões