Neste sábado, 19 de abril, é comemorado o Dia dos Povos Indígenas. No município de Porto da Folha, no Alto Sertão sergipano, o povo Xokó preserva com orgulho sua história, identidade e tradições ancestrais transmitidas entre gerações. O Governo de Sergipe, por meio da Fundação de Cultura e Arte Aperipê (Funcap), tem mantido diálogo com as lideranças da comunidade com o objetivo de garantir que suas expressões culturais sejam contempladas pelas ações de fomento à cultura e nos editais públicos.
Desde 2024, a Funcap tem intensificado ações voltadas à valorização da ancestralidade, ao fortalecimento das práticas tradicionais e à interiorização da cultura. As visitas a territórios, como o do povo Xokó, e os espaços de escuta e diálogo, por meio dos agentes territoriais, fazem parte de uma agenda contínua para garantir que as políticas públicas de cultura sejam construídas de forma inclusiva e contemplem a diversidade étnica e cultural de Sergipe.
“A Funcap vem desenvolvendo uma agenda estratégica que visa acelerar a valorização da ancestralidade, promover o fortalecimento das práticas tradicionais e impulsionar a interiorização da cultura de forma mais incisiva. O compromisso institucional não se restringe à teoria: as ações englobam desde visitas técnicas e operacionais a territórios representativos—como o do povo Xokó— assim como a garantia de percentuais em cotas dos editais promovidos pela Funcap. Essas ações são fundamentais para assegurar que as políticas públicas culturais sejam formuladas de maneira mais inclusiva, refletindo a rica diversidade étnica e cultural de Sergipe”, destaca o presidente da Funcap, Gustavo Paixão.
Por meio da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), os editais lançados em todo o território nacional contam com reserva de vagas específicas para pessoas indígenas, como forma de assegurar o acesso desses grupos às ações de fomento à cultura e contribuir com a reparação de desigualdades históricas. “Dentro do escopo da PNAB, os editais lançados em âmbito nacional passaram a incluir, de forma obrigatória, uma reserva de 10 % das vagas para pessoas indígenas. Essa medida tática visa não só ampliar o acesso a programas de fomento cultural, mas também corrigir distorções históricas que marginalizaram esses grupos. Ao incorporar esse percentual fixo em seus critérios, a PNAB estabelece uma clara diretriz de inclusão, funcionando como um catalisador para que iniciativas culturais ganhem robustez e legitimidade. Essa é uma ação de alinhamento estratégico que assegura a participação ativa dos povos originários”, detalha o superintendente de Políticas Culturais da Funcap, Alisson Couto.
O cacique Bá Xokó conta que o apoio da Funcap é importante para a continuidade das tradições e transmissão desses conhecimentos em todo o estado. “Precisamos dessa ajuda, e que os gestores compreendam que não podemos andar sozinhos. É esse apoio que nos ajuda a manter viva a cultura que carregamos no coração. Com a força do nosso povo e o apoio do poder público, nossa cultura continuará de pé”, frisa.
Já o ex-cacique Heleno Bezerra destaca a importância das ações afirmativas. “Acredito que, no momento, é importante que exista essa cota por conta da desigualdade social, como uma forma de reparação. O branco não é mais competente que o indígena, apenas tem mais oportunidades”, pontua.
Xokós
Com uma história marcada pela luta e pela reconquista de suas terras, os Xokó vivem, atualmente, nas aldeias Ilha de São Pedro e Caiçara. A presença indígena no local remonta ao século XVIII, quando foi erguida a Capela de São Pedro pelos missionários capuchinhos. A posse das terras só foi reconhecida, mesmo, após um longo processo que se estendeu até 1979, ano em que a comunidade retomou a Ilha de São Pedro e estabeleceu ali sua comunidade.
“Somos um povo forte, valente e resistente. Eles conseguiram levar muita coisa da gente, mas, o principal, não conseguiram: a nossa história. A gente sabe que só nasce uma vez, mas nascer na Ilha de São Pedro já é um presente da natureza. A nossa defesa é a cultura. Sem ela, ficamos como um peixe fora d’água. Nosso povo é reconhecido de Norte a Sul, e isso, para mim, é motivo de grande gratidão”, conta o ex-cacique Heleno Bezerra, hoje uma das principais lideranças dos Xokós.
Embora reconheça que a valorização da cultura indígena deve acontecer todos os dias, o ex-cacique enfatiza a importância de uma data específica para reforçar a presença dos povos originários no imaginário social. “Assim como existe o Dia do Trabalhador, do professor, do estudante, é importante, também, que exista o Dia dos Povos Indígenas. Ficamos felizes porque é uma forma de manter viva a nossa história, de ver as escolas comemorando, as crianças aprendendo. Isso nos dá alegria e esperança de que a nossa cultura nunca vai morrer”, destaca.
Práticas culturais preservadas
Entre os Xokós, a preservação cultural se reflete no cotidiano, especialmente no cuidado com as novas gerações. As práticas são transmitidas de forma coletiva, envolvendo crianças, jovens e adultos. Durante o recreio escolar, por exemplo, é comum que as crianças pratiquem o toré, dança tradicional indígena. Nos rituais, há espaços específicos para cada faixa etária e, à noite, todos se reúnem ao redor da fogueira para compartilhar histórias, memórias e ensinamentos. “Lá é passado tudo o que vivemos, o que sofremos, para que nossas crianças e adolescentes cresçam informados. Dizemos a eles que podem estudar, buscar formação. Temos, hoje, Xokós formados em Medicina, Engenharia, Direito, Assistência Social, mas que nunca esqueçam que tudo o que conquistaram veio da nossa história. Muitos, mesmo com diploma na mão, continuam dançando toré com a gente”, afirma o ex-cacique Heleno Bezerra
A modernidade trouxe diferentes desafios no cotidiano da comunidade, mas, para o cacique Bá XoKó, isso não é impeditivo para que a nova geração se fortaleça imersa na cultura do seu povo. “Hoje, o mundo está dentro das nossas casas. Os jovens têm outros comportamentos, outros envolvimentos. Se a gente não tiver o compromisso de levar essa juventude para perto da nossa cultura, vamos perder algo que nos custou muito. É preciso que eles sintam na pele o que a gente viveu. A cultura não pode ser passada só de boca. É preciso vivência, presença, sentimento. E, agora, precisamos educar as crianças, a juventude, para que eles não deixem morrer essa cultura tão forte do povo Xokó”, enfatiza.
Para o pajé Jai, quanto mais o jovem participa, mais ele aprende e adquire experiência. “Quando o índio se distancia de sua cultura, ele começa a perder sua essência. O ritual, o momento sagrado, está no sangue, no espírito. Ninguém tira isso. A cada dia, as crianças acompanham, os jovens acompanham, e isso é o que garante que a missão continue. Um povo sem seu ritual, sem sua cultura, não resiste. O mais bonito de um povo é manter sua cultura, resistir e continuar sempre como um povo indígena”, salienta.
Foto: Marco Ferro