Localizado na avenida que mais representa o Rio Sergipe, Ivo do Prado, o ‘Largo da Gente Sergipan’a é um dos pontos turísticos mais emblemáticos do Estado de Sergipe. Inaugurado em 2018, o local faz parte do complexo cultural do Museu da Gente Sergipana em homenagem às tradições, danças e personagens que moldaram a identidade do estado. Por meio de esculturas gigantes que representam figuras do folclore sergipano e que embelezam o local, o Largo também representa a resistência e a preservação das tradições culturais do estado, proporcionando aos visitantes uma conexão autêntica com a arte, a história e as expressões populares.
Sergipanidade – A data de 24 de outubro, conhecida como o ‘Dia da Sergipanidade’, foi instituída pela Lei nº 8.601/2019, aprovada pela Assembleia Legislativa de Sergipe, que tem o objetivo de reafirmar a identidade cultural sergipana, destacando as características inerentes ao sergipano. Mas, apesar das celebrações do 24 de outubro já existirem há algum tempo, anteriormente, a data se confundia com o 8 de julho, dia em que se comemora a emancipação política do Estado.
As duas datas entraram em conflito devido às conturbadas lutas políticas do território de Sergipe e Bahia. Foi em 8 de julho de 1820, que o Rei do Brasil e Portugal, Dom João VI, assinou a Carta Régia elevando Sergipe à categoria de Capitania Independente. Mas, até a década de 1990, os sergipanos também celebravam o 24 de outubro como a Emancipação Política de Sergipe. A mudança oficial para o dia 8 de julho foi feita por meio da Emenda Constitucional nº 20, de 31 de maio de 2000.
Com a alteração, o 8 de julho ficou conhecido como o Dia da Emancipação Política de Sergipe e o 24 de outubro, como o Dia da Sergipanidade.
Os lambe-sujos
Os lambe-sujos cujo nome se deve à tradição de pintar o corpo com carvão pisado e misturado ao cabaú, têm como personagens: o Rei Africano, vestido de calça vermelha, camisa de mangas compridas, colete e coroa; a Princesa, cujo vestido é brilhoso, adornado por um diadema de papelão; os Embaixadores, que guardam o Rei; a Mãe Suzana, trajando uma bata estampada de retalhos, carregando um cesto de palha cheio de panelas e doações da população; o Pai Juá, o guia espiritual dos negros durante a batalha; o Feitor, que se distingue dos demais por usar um colete; os Tocadores e os brincantes, vestidos com calções e gorros vermelhos, tendo na mão seu instrumento de trabalho, a foice. Usam ainda, um cachimbo ou uma chupeta. Já nos caboclinhos, são constituídos pelos Índios, onde se distingue o chefe, a Princesa, os Embaixadores, os Tocadores e os brincantes. Se vestem com saiotes de penas coloridas e cocar, portando o arco e flechas destinadas à sua defesa. Todos passam no corpo roxo-terra misturado com água, para lhes dar um tom avermelhado. Com o roubo da Princesa, as embaixadas acontecem. Os negros se recusam a entregar a Princesa e a se render, o que provoca a realização do momento mais importante do folguedo, que é o combate. A luta entre os dois grupos, segundo alguns pesquisadores, relembra a destruição dos quilombos pelos capitães do mato. Os caboclinhos saem vencedores, salvando sua Princesa, levando os negros acorrentados pela cidade. Para comprar a liberdade dos negros, Mãe Suzana, recolhe doações da população. Cantos, danças e lutas compõe a dramaturgia do folguedo, que tem grande beleza estética. Como o batuque é um traço musical presente, tanto entre os africanos como entre os indígenas, os cantos são marcados pela força do seu ritmo sincopado.
Talheira
Talheira, denominação antiga do folguedo, já fazia suas apresentações na Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro, na Bahia, em festejos importantes como nas comemorações pela celebração do casamento de Dona Maria I com Dom Pedro III, de Portugal e Algarves, realizado em junho de 1760. O som do tambor e dos ganzás, chamados de querequeché, anunciam a chegada das Taieiras. De forte influência africana, ligada ao culto nagô, se apresenta em louvor à Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito, santos protetores dos negros. Sendo uma dança-cortejo de intenção religiosa, estão presentes nas festas dos seus Santos de devoção, no Natal, para louvar o Menino Jesus, no Ano Novo e no dia dos Santos Reis, quando a rainha das Taieiras é laureada, com a coroa de Nossa Senhora do Rosário, pousada sobre sua cabeça, pelo Padre, durante a missa. Terminada a cerimônia, as Taieiras saem da Igreja, sem dar as costas para o altar, passando o cortejo para as ruas. Integram o folguedo, as Taieiras que usam trajes com blusa vermelha e saia branca, adornadas por laços de fitas coloridos, e chapéus brancos igualmente enfeitados com fitas e flores vermelhas, levando nas mãos as varetas, feitas de madeira, forradas com papel colorido e encimadas com flores, ou ainda pequenas cestas enfeitadas com fitas e flores; o Ministro, que acompanha de perto o Rei; a Rainha, chamada Perpétua, que veste um traje diferenciado e carrega manto e coroa dourada ou prateada feita com papelão e papel laminado; as Guias, que lideram os cordões e usam a mesma indumentária das Taieiras, diferenciada por uma fita que cruza o peito; as Lacraias, brincantes que seguram a sombrinha para a Rainha, com trajes iguais as Taieiras; os Capacetes, meninos que guardam o Rei; e o Figural ou Patrão, que toca o tambor. O grupo, dividido em dois cordões dançam e cantam.
São Gonçalo
O louvor a São Gonçalo é muito difundido em Portugal e, aqui no Brasil, principalmente na zona rural dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Piauí, Bahia, Ceará, Maranhão e Sergipe, o fervor ao Santo é mais forte. É uma dança ritual de origem muito remota, tanto, que existe registro do folguedo, na Bahia, em 1718. Como dança promesseira, era destinada, no início, apenas a pagamentos de obrigações feitas a São Gonçalo, santo de grande influência entre os portugueses, frade franciscano que viveu na cidade de Amarante, pelos idos do século XIII. Além da fé, envolvem a história do Santo várias lendas. Consta que antes de entrar para a Ordem, foi marinheiro e, por esta razão, o chefe do grupo, chamado de Patrão, se veste como um marinheiro, embora no roteiro do folguedo não exista nenhum episódio marítimo. Em Laranjeiras, a sua imagem é carregada pela única mulher do grupo, a Mariposa, dentro de um barquinho durante as apresentações do grupo. Os brincantes, só homens, usam sobre a calça, saias coloridas e longas, blusas rendadas e xale enfeitado com fitas de várias cores. Na cabeça, um lenço branco adornado com fita vermelha. Pulseiras, colares e brincos completam o traje, trazendo uma simbologia feminina ao grupo, relembrando as mulheres salvas pelo Santo do pecado. Embora dedicado na fé a um Santo português, o folguedo apresenta no louvor a forte presença africana, observada na música, na dança e em palavras do dialeto africano inseridas nas letras. Os cantos são apresentados de acordo com as jornadas, que se dividem em: Abertura, Intermediária e de Fechamento. Mas existem jornadas especiais quando, pagando promessas, cantam durante a refeição oferecida pelos promesseiros ou nas procissões.
Reisado
O costume de louvar o nascimento de Jesus com cantos, danças e visitas às casas dos moradores, tem origem em Portugal, de onde foi transmitido para o Brasil pelas trilhas da colonização. Lá se chamava janeiras e reiseiras ou reisadas e as visitas começavam no Natal e só terminavam nas festas dos Santos Reis, no mês de janeiro. De reiseiras passou entre nós a ser chamado de Reisado, o folguedo mais representativo do ciclo natalino, tendo o Nordeste como seu território de referência. Mas a louvação à Natividade recebe nomes variados pelo Brasil, como Folia de Reis, Boi de Reis e Terno de Reis. Mesmo quando se profanizou, o Reisado manteve as características mais importantes da contribuição portuguesa como o cantar Benditos; as loas ao Menino, sua mãe Maria e a São José; a organização em cordões, o azul e o encarnado; os pedidos de abrição de porta ou pedição de sala para começar a apresentação; os cantos com solo e estribilho; as homenagens às pessoas com versos e entremez e as despedidas. Cantos, danças e entremezes compõem o roteiro do Reisado, onde participam elementos humanos, animais e fantásticos. Os brincantes ou figural são conduzidos pelo Mateus ou Caboclo, que divide com a Dona Deusa, o desenvolvimento do folguedo.
Bacamarteiro
Originalmente, bacamarteiro ou barcamatista é a denominação do militar integrante da infantaria do Exército Imperial Brasileiro, destacado na Guerra do Paraguai, referindo-se ao soldado que manuseava o bacamarte, uma arma de fogo de cano curto e largo, carregada com pólvora seca e com um poder de fogo mortal. Findo o conflito, o bacamarte passou a ser utilizado na defesa pessoal e da propriedade, notadamente no interior do nordeste brasileiro e, no período junino, quando as comunidades se reuniam para brincar, cantar, dançar, tirar versos e tomar uma boa pinga, era usado como desafio à valentia. Para atirar, o bacamarteiro adotava posições bem difíceis, ora com a arma sobre a cabeça, ora por baixo de uma das pernas, quando o bom atirador não cai com o arrojo da pólvora. Só os mais fortes conseguiam manter o equilíbrio nas posições desafiadoras que tomavam. O bacamarte se transformou em elemento de cena no ato de dançar, e seu canto é um convite para se encantar.
Cacumbi
Provavelmente, o Cacumbi resulta da evolução e junção de elementos de outras danças e folguedos. Encontrado em vários municípios brasileiros, recebendo diferentes identificações dependendo da região, como variantes de congos e congadas: Ticumbi, Quicumbi ou Cucumbi. Em sua origem, remete a uma luta entre um rei negro e um chefe caboclo, sempre vencida pelo rei. O grupo é constituído apenas por homens, que se apresenta para louvar São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, vestidos de calça branca e camisa amarela. Trazem ainda um chapéu decorado com fitas coloridas e espelhos. O ritmo forte do batuque fala de sua origem, hoje resumida em uma série de volteios, na formação de dois cordões e em círculos contínuos voltando sempre às fileiras, no centro dos quais atuam o Mestre e o Contramestre, distintos dos demais componentes do grupo por usarem a camisa azul. A coreografia, embora simples, é muito vigorosa nos movimentos, retomando a feição guerreira que o gerou tão forte, com a força do batuque que impulsiona os movimentos que exigem preparo físico. Abaixados ou de pé, cruzando pernas, o rigor da dança está presente no ritmo marcado pelo tambor acompanhado do corror, da onça, do ganzá, do pandeiro, do reco-reco e do tamborim, tocados por todos os brincantes.
Chegança
A luta entre cristãos e mouros revela os fundamentos do folguedo, originado nas antigas tradições ibéricas e inspirado em romances que narravam aventuras marítimas de embarcações como a nau Catarineta. No Brasil, a depender da região, recebe nomes variados como Barca, Marujada, Fandango, Chegança de Marujos, Chegança de Mouros, Mourama ou simplesmente Chegança.
A presença dos mouros por séculos na Península Ibérica deixou marcas profundas na cultura, na linguagem, nos cantos e nas danças populares que dali se espalharam pelas colônias americanas. Os sinais dessas contribuições estão presentes nas várias manifestações folclóricas, sendo a Chegança uma das mais representativas.
O folguedo se apresenta dividido em dois grupos cujo enredo, marcado pela dramaticidade, revive o conflito religioso e social entre cristãos e mouros. As embaixadas se encerram com a derrota dos mouros, que são batizados pelos cristãos. Em Sergipe, os brincantes marujos já se apresentavam na velha capital São Cristóvão com grande pompa à frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, com dois navios de madeira sobre rodas, revestidos de tecidos.
Os cristãos saiam da Igreja Nossa Senhora da Vitória, a Matriz da cidade, e a sumaca dos mouros partia da Igreja dos Capuchinhos, na praça do Carmo. Quando o sino do Rosário tocava, era o sinal para que de cada lugar, os dois grupos saíssem para a encenação com seus cantos e embaixadas, narrando a aventura no mar, onde não faltavam tempestades, traições, brigas internas, batalhas e o batismo dos mouros infiéis, derrotados pelos cristãos. A mesma riqueza de detalhes tinha a Chegança de Zé do Pão em Aracaju, nos idos da década de cinquenta do século passado.
Parafuso
A história do Parafuso remete ao período colonial, no cenário dos engenhos, onde escravos sonhavam com a liberdade nos quilombos, para escapar do sofrimento. Procurando chegar ao quilombo, escravos em fuga, usavam as anáguas das sinhás, roubadas dos quaradouros. Para camuflar o corpo, colocavam várias anáguas, umas sobre as outras desde o pescoço, pintando o rosto com tabatinga, compondo o disfarce final com um chapéu em formato de cone, igualmente branco. Assim, nas noites de lua se arriscavam pelos canaviais despertando o imaginário popular que consideravam estar vendo visagens ou almas do outro mundo.
O grupo Parafusos é a mais original expressão do folclore de Lagarto e o único existente no Brasil. Em meados do século passado, se apresentava com vinte e um brincantes, quando um dos componentes se personificava como índio, em referência a cobertura oferecida pelos nativos nas fugas dos escravos. Atualmente o grupo se apresenta com treze brincantes do sexo masculino.
Barco de Fogo
A tradicional manifestação do município de Estância foi uma criação do fogueteiro Antônio Francisco da Silva Cardoso, conhecido por Chico Surdo, cujas primeiras citações datam do final da década de trinta do século XX. A ideia era fazer um barco que não precisasse das águas do Piauitinga para navegar. Para tanto, inicialmente, confeccionou um barco de papelão grosso, movimentando dois foguetes, que deslizando sobre um arame preso em dois mastros, passando de um lado a outro do rio.
O modo de fazer foi se aprimorando com o correr dos anos, e a brincadeira foi se tornando o elemento mais significativo das festas juninas da cidade. Atualmente, um fio de aço de trezentos metros, atravessa dois pontos da praça Barão do Rio Branco, em Estância, permitindo o deslizamento dessa alegoria pirotécnica, de cerca de um metro de comprimento, com armação de madeira recoberta com papel colorido, fazendo dos seus foguetes na proa a força que lhes dá movimento.
A viagem é facilitada por uma roldana que desliza sobre o cabo de aço, e durante o tempo de ida e volta, o barco vai queimando girândolas e espadas que se transformam num rendilhado de fogo de beleza inconfundível.
O barco vive no imaginário dos fogueteiros da cidade, que a cada ano enriquecem o invento com novidades, no qual o fogo é realmente o grande homenageado. É uma das mais empolgantes atrações dos festejos juninos do município de Estância.
Patrimônio Imaterial de Sergipe, barco de fogo é um dos símbolos da cultura e tradição dos festejos juninos no estado.
foto Joel Luiz
Por Stephanie Macedo