Por: José Firmo dos Santos*
Na última quarta-feira a prefeita de Aracaju, Emília Corrêa, se reuniu com parte do seu secretariado para trata da revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), Lei Complementar 44/2000.
Desde o primeiro diagnóstico que originou o nosso PDDU, até os dias atuais já se passaram três décadas.
Como se sabe, a obrigatoriedade de ter plano diretor é uma determinação da Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), mas Aracaju um ano antes já possuía o seu Plano Diretor, aprovado na 37ª legislatura, tendo como prefeito João Augusto Gama.
Levando-se em conta o período do diagnóstico, na segunda metade da década de 90, estamos hoje com trinta anos sem um Plano Diretor que represente as reais necessidades da capital sergipana.
Determina o Estatuto da Cidade que as revisões dos planos diretores devem ser feitas, no máximo, a cada 10 anos. No caso de Aracaju, como a nossa lei foi criada antes do Estatuto da Cidade, a nossa revisão legal era a cada cinco anos.
Com o advento do Estatuto da Cidade o parlamento municipal alongou o período de revisão para 10 anos, justificando que seria para se adequar à norma maior. Algo desnecessário, visto que o Estatuto da Cidade não exige que as revisões sejam feitas rigorosamente a cada dez anos, mas sim em até dez anos.
Além de não ter passado pelo menos por duas revisões obrigatórias, o nosso Plano Diretor sofreu, nos seus 24 anos de vigência, uma série de modificações através de leis aprovadas, ou por iniciativa do Poder Executivo ou de autoria de vários vereadores, fragilizando fortemente as normas relacionadas ao planejamento da cidade.
Entre as alterações para pior das normas urbanas de Aracaju podemos citar a alteração de parâmetros urbanísticos, a exemplo do gabarito dos prédios; a ocupação de áreas sensíveis próximas a dunas, lagoas e manguezais; a omissão relacionada à cobrança da outorga onerosa, para ficar somente nestes.
O município de Aracaju tentou fazer a revisão do seu Plano Diretor algumas vezes.
Como previsto à época, após o seu quinto ano de vigência, o Projeto de Lei (PL) foi enviado à Câmara Municipal. Tempos depois do projeto protocolado na Câmara Municipal notou-se que o tal projeto não havia sido submetido ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CONDURB).
Devolvido ao CONDURB, finalmente o projeto de revisão do Plano Diretor retorna à Câmara Municipal em 2008.
A Câmara Municipal, por seu turno, promove – acertadamente – uma série de audiências públicas por toda cidade, culminando com sessões extraordinárias, à tarde, exclusivas para tratar do Plano Diretor.
As sessões e as votações, regra geral, foram muito atropeladas e com certo grau de tensão, onde somente quatro vereadores – Nitinho, Bertulino Menezes, Dr. Emerson e Moritos Matos- dos dezenove à época, dialogavam com os movimentos sociais e populares.
Prestes a ser dado como revisado, em 2012, decisão judicial atendendo ação de iniciativa de dois daqueles quatro vereadores suspendeu a tramitação.
Em 2013, nos seus primeiros meses de mandato, o prefeito João Alves Filho, solicitou à Câmara Municipal a retirada do projeto de tramitação, para, em seguida, dar início a novo ciclo, desde o diagnóstico até audiências públicas, deixando a proposta pronta para ser enviada à Câmara Municipal.
Em 2017 assume a prefeitura Edvaldo Nogueira, que disse estar passando um “pente pino” naquele projeto e somente no mandato seguinte, no auge da pandemia, decide refazer algumas audiências públicas.
Tais audiências foram bastante tensas, em pequena quantidade (oito, no total) e com restrição de acesso pelos populares e com uma dinâmica que dificultava a apresentação de propostas que efetivamente contribuíssem com o planejamento e para o futuro da cidade.
Havia também as opções de acompanhar as audiências “on line” e de apresentação de propostas por meio eletrônico, mas em período diferente do definido para as audiências.
Na audiência pública que seria realizada no dia 05/10/2021, na Escola Anísio Teixeira, no Bairro Atalaia, um forte aparato policial e de Guardas Municipais tentou impedir o livre acesso de dezenas de moradores da então Ocupação das Mangabeiras, que após o acesso inviabilizaram a audiência.
Nas três audiências restantes, (Bairros Bugio, São José e Areia Branca), quando os poucos populares acessavam os prédios onde se realizam as audiências, praticamente a metade das cadeiras da frente já se encontravam ocupadas com dezenas de homens fortes, robotizados, que em nenhum momento tomavam parte das audiências, ou seja, entravam mudos saíam calados.
Foi este último ensaio de revisão do PDDU que também foi judicializado, após a iniciativa de várias entidades, obtendo decisão favorável da Justiça Federal.
Agora esperamos que objetivamente as autoridades competentes entendam que planejamento urbano, onde estão inseridos meio ambiente, mobilidade, habitação, saúde, educação, flora, fauna, etc seja uma tarefa de todos os atores que constroem Aracaju e os interesses coletivos prevaleçam sobre os interesses de pequenos grupos.
A revisão do Plano Diretor de Aracaju precisa primeiro enxergar qual cidade temos, para depois apontar qual cidade queremos ou, no mínimo, qual cidade é possível termos para daqui a uma década.
Que comecemos fazendo este diagnóstico justo e honesto da nossa sofrida cidade que, em outras palavras, faz sofrer a maioria dos seus moradores, em todos os cantos, de todas as classes.
*José Firmo é Coordenador do Fórum em Defesa da Grande Aracaju, Presidente da Associação dos Moradores do Bairro Robalo, especialista em Gestão Urbana e Planejamento Municipal