Aracaju, 31 de março de 2025
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Pseudônimo Carlos Tadeu, escreve Carlos Morais Vila-Nova

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Por Carlos Morais Vila-Nova*

O decurso dos anos possibilita que contemos boas histórias, quando provindas  de nobres pessoas, que muito contribuíram no seu tempo. Desse modo, mesmo tendo escrito algumas vezes sobre o jornalista Carlos Tadeu; com o passar do tempo, vale a pena reescrever.

Destacável é que recentemente, o emissário deste Jornal “O Dia” em Estância, o estimado Fábio Emanuel Silveira de Oliveira, conhecido como Fábio Francão, 40 anos,  entusiasta pelas tradições e acontecimentos estancianos;  mencionou sobre a importância da história de Carlos Tadeu, provocando a feitura deste artigo.

As memórias que aqui registro sobre o jornalista possuem significado especial para mim e ao mesmo tempo visa rememorar dados biográficos desse ente ilustre, que esteve a serviço da cultura e do bem comum de Estância, apesar das limitações físicas que a vida lhe impôs.

Daniel Fernandes Reis, autor de influente coluna jornalística, figurando com o pseudônimo de Carlos Tadeu, nasceu em Riachão do Dantas, onde o seu pai, emigrante português, de nome Antônio Fernandes Reis, chegara no início da década de trinta como mestre de obras. Devido à condição de viúvo constituiu nova família, da qual proveio Daniel e mais três irmãos, bem conhecidos em Estância, com os nomes de Antônio Carlos Reis, José Luís Reis e José Emílio Reis; todos eles se aposentaram como funcionários do Banco do Brasil.

Contudo, por volta dos anos de 1940, seu genitor mudou-se para Estância com toda família.  O cenário da Cidade Jardim era desenvolvido e culto; também oferecia melhores condições, além da natural atração que devia exercer sobre o emigrante português, pelo fato de aqui residirem outros compatriotas lusos, instalados no maior centro industrial e cultural do interior de Sergipe. Outro provável fascínio deve ter sido os sobrados em azulejo, marcados pela influência da arquitetura lusitana nesta cidade.

Em matéria publicada no Jornal Tribuna Cultural, o economista José Carlos de Oliveira, estanciano, aposentado do Banco Mundial, amigo de infância, expôs que Daniel cursou o ensino primário em Estância, tendo ingressado depois no curso ginasial da Escola Técnica do Comércio e que no último ano ginasial, acometido pela tuberculose, ficou com a saúde agravada e foi transferido para tratamento na cidade de São Paulo, ficando hospedado na casa de parentes.

Ainda, segundo José Carlos, no tratamento foram usados medicamentos diferenciados, cujos efeitos, provavelmente, causaram-lhe danos irreparáveis com a perda da audição e um crônico problema digestivo.  Combalido, recolheu-se em sua residência, isolando-se do mundo e entregando-se à leitura. Assim, o estudo continuado de tantos livros e jornais despertaram novo interesse e motivação.

Desse modo, apesar de debilitado e surdo, tendo perdido o hábito da fala, muniu-se de lápis e caderno; passando a entrevistar quase todas as pessoas que iam visitá-lo, transformando aquelas entrevistas em artigos literários, na forma de crônicas ou reportagens. Essas matérias passaram a ser publicadas nos jornais locais, despertando as atenções.

As sequelas deixadas pela doença não paralisaram Carlos Tadeu. Ao invés, conseguiu ser um grande incentivador da leitura para os jovens da época, que despontavam e buscavam seus espaços nos mercados de trabalho. Além do espírito cristão e humanitário que irradiava, destacou-se pelas suas colunas nos jornais, registrando os fatos e ocorrências mais marcantes da cidade.

Já em melhor condição de saúde, conheci Carlos Tadeu como Diretor da  Biblioteca Monsenhor Silveira, situada na Praça Barão do Rio Branco, na esquina próxima à feira, naquele lado do edifício Abaís; que à época era muito bem frequentada. Passei a frequentar assiduamente a Biblioteca Municipal a partir do ano de 1978, comunicando-me constantemente de forma escrita com o jornalista, opinando aos seus questionamentos nos cadernos. Essa prática era extensiva a quase todos os visitantes em razão da sua avidez por notícias, que o atualizava sobre os últimos acontecimentos da cidade.

Guardo lembranças do grande mestre, que sempre me orientou para os bons caminhos. Além do mais, o meu primeiro emprego saiu da sua ajuda porque comecei a fazer pequenas notas para os jornais da cidade, facilitando o meu acesso ao jornal Gazeta de Sergipe, sediado em Aracaju, no qual fui contratado para ser correspondente das notícias de Estância e fiquei por quase dois anos, escrevendo uma coluna local, sob a orientação de Carlos Tadeu. Destarte, cabe registrar que uma das mais importantes reportagens foi a do lançamento da pedra fundamental do SESI, marcando o início da construção da atual sede.

Dentre os notórios artigos do jornalista estão os feitos durante a criação do Bairro Cidade Nova, na gestão do então Prefeito Valter Cardozo, nos quais o escritor opinava que o nome deveria ser Tropicália ao invés do muito comum e nada inovador nome de Cidade Nova.

Na década de noventa, o escritor Carlos Tadeu publicou quatro livros, decorrentes das entrevistas e de suas observações sobre a vida. Os três primeiros foram intitulados “Crônicas da Vida” em três exemplares (I, II e III);  em 1998 publicou mais um livro com o título “A Vida Tem Muitos Lances”.  Os contextos dos livros eram de historietas suaves e bem humoradas sobre personagens da Estância; e, outras mais sérias, abordando temas filosóficos.

A leitura dos livros é interessante porque apresenta reminiscências curiosas dum tempo, que se foi e não volta mais. O saudosismo às vezes nos faz bem.  Carlos Tadeu publicou seu último livro em 2010, já com a saúde mais debilitada, intitulado: “ A vida é um Tremendo Mistério”.

Aquele senhor magricela, adoentado e muito simples deixou sua marca indelével para os amigos e seus leitores. Apesar da fragilidade física e dos parcos recursos materiais, demonstrou pragmaticamente que é possível interferir positivamente na vida das pessoas, incentivando a leitura e disseminando a cultura. Ele era um inquiridor nato e procurava desvendar os enigmas da existência, até pelo seu último livro com a  temática de que a vida é um grande mistério.

Em Estância, o jornalista e escritor Carlos Tadeu morou perto do SESP, numa casa onde hoje funciona a funerária da OSAF.  No início do ano de 2002, ele passou a morar em Aracaju, ficando mais próximo dos irmãos, numa casa boa e ampla da Rua de Geru. Eu o visitava por vezes, mas não com a frequência que ele merecia.

O falecimento dele ocorreu em 08 de novembro de 2014, aos 78 anos, deixando marcas e exemplos de perseverança, humanismo, amor à leitura e disseminação da cultura e informação. Apesar de improvável pela condição física debilitada, surdez e dificuldade na fala; muitos que o conheceram, leram suas colunas e frequentaram a Biblioteca Monsenhor Silveira podem testemunhar sobre a vida ativa e participativa do ilustre jornalista e escritor.

*Carlos Morais Vila-Nova é bancário aposentado, advogado em Estância/SE

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