da Agência Brasil
Na madrugada de 23 de julho de 1993, mais de 70 pessoas estavam dormindo nas proximidades da Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, quando policiais abriram fogo contra o grupo, matando oito jovens. A primeira pessoa a chegar ao local da chacina foi a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, que já desenvolvia trabalho de apoio àquele grupo de menores de rua.
Em entrevista à Agência Brasil, Yvonne analisou que, de 1993 para cá, nada melhorou em relação à violência no Rio de Janeiro e no Brasil. “Eu diria que piorou. E o número de crianças sem atendimento algum aumentou; o número de crianças e jovens hoje na rua é enorme e a situação das comunidades piorou geometricamente desde aquela época”, avalia.
Criadora do Projeto Uerê, cuja origem remonta à Escola Sem Portas Nem Janelas, iniciada em 1980 para atender crianças e jovens em situação de rua, a artista plástica e defensora dos direitos humanos afirmou que as crianças continuam sem ter a proteção que está na lei, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “mas que não sai do papel”.
Soluções
Na avaliação de Yvonne, é necessário a implantação efetiva do ECA, além de ações de prevenção e escolas de melhor qualidade para evitar a evasão dessas crianças. Para ela, como a situação das famílias e das crianças piorou nos últimos anos, a tendência é as crianças irem para a rua e entrarem na marginalidade.
Yvonne Bezerra de Mello destacou que em 2006, o Rio de Janeiro registrava cerca de 1,8 mil menores infratores e, em 2017, foram 11,5 mil, conforme dados da Comissão Nacional de Justiça. “É geométrico o problema e ninguém se dá conta. Ninguém pergunta por que meninos de 14 a 18 anos entram na marginalidade”, criticou.
Em 1993, 4,5 mil crianças entre 10 e 18 anos foram assassinadas no Brasil. Ano passado, foram 11,8 mil, de acordo com o Mapa da Violência, disse a ativista social. A avaliação de Yvonne é que nada foi retido da Chacina da Candelária. “As políticas públicas não foram implementadas e tudo continua igual”.
O Projeto Uerê vem sendo mantido por Yvonne há 20 anos e já atendeu 7 mil crianças, com 95% de sucesso: a maioria das crianças atendidas pelo projeto não foram para a marginalidade. Yvonne considera a chacina foi uma chamada para que ela não abandonasse o ativismo em prol dessas crianças. “E eu cumpri a promessa que fiz a mim mesma naquela noite”.
Mudança de vida
José Luiz dos Santos tinha 15 anos quando ocorreu a Chacina da Candelária. Naquela noite, a sopa distribuída na Igreja da Candelária custou a sair, o que fez com que o adolescente e outros meninos fossem em busca de alimento em outro lugar. Isso salvou sua vida e fez com que ela experimentasse uma reviravolta. O então garoto de rua conhecido pelo apelido de “Escorrego”, porque passava óleo no corpo para não ser pego pelos policiais após furtos, hoje é casado e tem dois filhos, um de 16 anos e outro de um ano de idade, e valoriza a estrutura familiar.
“A família é a base de tudo. Eu não tenho família biológica, mas consegui reconstituir a família”, disse à Agência Brasil. Hoje ele trabalha em um estúdio, como produtor de novelas.
Para os meninos que vê atualmente nas ruas, Santos aconselha que devem acreditar em si mesmos. “Minha guinada na vida foi quando eu acreditei que era alguém, que não precisaria estar vivendo na miséria. Com esforço e acreditando em mim mesmo, deixei de ser o coitadinho para ser alguém. Por isso, o conselho que dou é que acreditem em si próprios e vão à luta, que a oportunidade vem todos os dias, para todo mundo”.
Sobrevivente
Wagner dos Santos foi o único sobrevivente da chacina. Na ocasião, tinha 21 anos. Levou quatro tiros e ajudou a identificar os policiais. Um ano depois, sofreu novo atentado e também conseguiu resistir aos ferimentos. Hoje, ele vive na Europa, para onde foi em 1994, por intervenção do ex-ministro da Justiça e secretário de Direitos Humanos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, José Gregori.
A irmã de Wagner, Patricia Oliveira, disse à Agência Brasil que ele trabalha como serralheiro na Suíça, onde enfrentou dificuldades quando chegou como estudante, sem falar o idioma, para fazer um curso de padeiro. Hoje, ele está adaptado à vida local e é casado com uma brasileira.
Segundo a irmã, ele ainda tem receio de sofrer novos atentados. “Ele tem apoio da embaixada do Brasil, como qualquer outro cidadão. Não tem nada especial”, comentou sua irmã. Wagner não pensa em voltar a morar no Brasil.
Programação
As principais ações para lembrar a data da chacina estão programadas para amanhã (23), com missa na Igreja da Candelária em memória dos mortos, às 10h, seguida de caminhada em defesa da vida, na Avenida Rio Branco, culminando com ato público na Cinelândia a partir das 13h30.
“Foram 25 anos ininterruptos de ações contra qualquer violência contra crianças e adolescentes. A gente faz esse ato para lembrar e para que isso não volte a acontecer”, diz Márcia Gatto, que faz parte da coordenação do colegiado do Movimento Candelária Nunca Mais!
Na missa de sétimo dia das crianças e jovens mortos na chacina, o então Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Sales, pediu que enquanto houvesse criança sendo morta pela violência, que a data não fosse esquecida.
Ações da prefeitura
No âmbito da prefeitura carioca, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), por meio da Subsecretaria de Proteção Básica e Especial, realiza os serviços voltados à criança e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, por meio do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vinculo nos centros de Referência de Assistência Social (Cras). Já em situações de violação de direitos, o atendimento especializado é realizado pelos centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), cuja função é acompanhar crianças e jovens bem como suas famílias, visando a superação das violações.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a SMASDH informou que a Política de Assistência Social é regida pelos parâmetros federais da Lei Orgânica de Assistência Social e tem o papel preventivo e protetivo no atendimento de crianças e adolescentes junto às famílias em situação de vulnerabilidade ou risco social.
Fonte e foto Tânia Rêgo/Agência Brasil